domingo, 1 de agosto de 2010

O presente

Era um presente lindo, mas pouco tempo depois começou a dar defeitos. O primeiro defeito era muito simples e passível de ser resolvido com alguns ajustes aqui e ali. Os que vieram dali por diante, já dependiam de reparos um pouco mais trabalhados, o que me fazia constantemente pensar em retorná-lo à loja onde havia sido comprado, pois ainda estava dentro do prazo de troca de produtos. Porém, eu não queria trocar o que me havia sido dado originalmente, afinal, daria para eu usá-lo mesmo assim. Segui apreciando meu presente, consciente de seus defeitos, que volta e meia apareciam e me irritavam um tanto, mas eu optava por ignorá-los, pensando que o tempo e a tolerância iriam trazer bons frutos. Pensei que eu iria me adequar aos defeitos do que me foi dado e que o que me foi dado fosse se adequar às minhas necessidades e objetivos. Não recorri a nenhuma loja de reparos e não o devolvi.

Passado o prazo de devolução, constatei que era aquilo mesmo. Era aquele presente defeituoso que eu queria, com seus prós e contras, mas ainda assim, o presente que me foi dado tão generosamente, escolhido a dedo, sem tirar nem por. E sim, eu estava incrivelmente satisfeita – apesar dos pesares. Havia ali um quê de destino misturado a um afeto imediato.

Então, em algum momento, o presente começou a rebelar-se. O presente começou a impor todos os seus limites e não me servia como deveria servir, conforme pensado por quem me deu. Quando eu precisava dele, não funcionava. Quando eu queria mostrá-lo para alguém, estava quebrado e eu tinha que deixá-lo em casa. Então, eu circulava sem meu presente – apesar de querer exibi-lo, pois quando ganhamos um presente bacana, gostamos de ouvir elogios, ou de alguma forma, gostamos de compartilhar a felicidade de ter recebido algo tão legal de alguém. Isso significa que somos, de alguma forma, especiais. Enfim uma conquista, um mimo da vida!

E assim, eu não levei o presente para o conserto e o presente não respondia às minhas tentativas caseiras. Aos poucos ele foi deixando de funcionar, até que parou! E eu não queria que ele fosse embora, eu não queria que parasse! Não quis acreditar. Revirei o presente de todas as formas, beijava-o, dizia que queria ele em minha vida para sempre e o quanto queria que ele acompanhasse todos os outros presentes, mas ele não reagia!

Nenhum alicate, nenhuma furadeira, nenhuma fita, nenhuma cola – nada iria trazê-lo de volta à vida. O presente se tinha ido; o meu querido e estimado presente. Então, irritada, quebrei o presente. Joguei-o no chão e o vi romper diante dos meus olhos. Catei os caquinhos e joguei na lixeira. Ao quebrá-lo, quebrei a mim mesma. Passei dias amargando a perda e, assim, continuo. Adoeci pela ira que havia tomado conta, somatizando a frustração e a fraqueza.

Ainda é difícil acreditar que ele se foi. Ele ainda me parece perfeito, dentro de todas as suas imperfeições de presente defeituoso. Sim, eu deveria ter recorrido a alguma loja de consertos ou simplesmente tê-lo trocado por outra peça semelhante na loja, enquanto ainda estava no prazo. Mas eu achei que as coisas se resolveriam sozinhas. Triste engano. Eis, então, que o presente se fez passado com toda a força e agora, mesmo a contragosto, me resta esperar por um novo presente. E isso só vai acontecer quando a dor passar, quando meus cacos internos forem colados e quando alguém resolver, novamente, me presentear. Mas quando será?

4 comentários:

krn disse...

wow. posso dizer que eh um perfeito encontro de analogias. devo ate dizer que me encontro em situacao parecida...talvez antes do presente quebrar e parar de funcionar. mas nao se preocupe. o presente certo sempre fica, sempre volta, sempre se-cola, se nao consegue te-lo de volta... é porque voce nao foi presenteada como deveria, é porque também nao poderia,nao ha necessidade de continuar com o presente quebrado...nao é mesmo? um novo sempre chega... e se quebrar... problema... um dia vai ser igual flores, um dia vai ser um presente que brota,floresce,cresce e ao final dos anos,morre, morrerá junto com voce! Beijao mulé forca e tudo de bom! saudades porra!

Lenina disse...

enfim... tô sem esperança! às vezes o presente vem no momento errado! e certas atitudes nossas, põem tudo a perder. Melhor perder a esperança e seguir adiante, pq não dá pra pra voltar no tempo! :(

Ou talvez o presente seja não ter o presente, seja a falta do presente e a consciência que isso desperta... Enfim...

Obrigada, mulé! Saudades de você tb! Volta logo, pÔ!!!!!!!!

Isis disse...

'Havia ali um quê de destino misturado a um afeto imediato'. Destino, sempre nos apegamos ao que achamos que ele seja, e lutamos, lutamos por aquilo, mesmo que tudo mostre o contrário, queremos acreditar que "tem que ser" e no fim vemos que não era pra ser, que todos os sinais anteriores mostraram isso, mas não vimos...

Gabriel Holanda disse...

muito legal lenina... quantas vezes fizemos isso com nosso presente? incontáveis... e nunca aprendemos... ou não?