segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

domingo, 28 de dezembro de 2008

Ladrão de Leite

Eram cinco da tarde. Sábado. A fome apertava. As opções eram restritas. Vinha se questionando quanto às carreiras que tinha perseguido na vida. Na verdade, eram duas. Ambas se dispunham entrelinhas—ambas levavam ao fracasso a longo prazo. Na cabeça, na fantasiosa fábrica de ilusões imagéticas, elevava-se o indivíduo comum, julgando-se talentoso e dono de capacidades inusitadas. Resumidamente, alimentava sua vaidade ao consumir o branco. Consumia o branco com palavras, com histórias sobre um nada eloqüente. Nadava sem parar nos mares infindos do pensamento. Consumia o branco com o nariz, aspirando atitudes, visões, fome, dor, insegurança. Um nada eloqüente.
Em um certo momento, o branco mais óbvio e ordinário fez falta — o leite. Este, certamente era o branco mais barato e acessível. Porém, todos os seus recursos financeiros, bem como energia, já haviam sido esgotados pelos brancos da mente. O branco do estômago, o primeiro branco a satisfazer uma pobre alma, logo que nasce— esse branco estava em falta.
Quando a tinta sob o papel teimava em não lhe trazer retorno, nem podia mais suprir a fome com o pó, se viu diante de uma necessidade primitiva: comer. Um nada silencioso. Enquanto se come, não se fala. E se não se come, não se fala também.
Esvaziou os bolsos com voracidade e cerrou os punhos em desespero. Z-e-r-a-d-o. E a gastrite apertava. Contorcia-se e vociferava. Solução? Não tinha outra. Sim, deveria cometer o primeiro furto de sua vida.
Entrou em um supermercado e foi direto à sessão que interessava. Estava se perguntando como iria conseguir sair do local, despercebidamente, com uma lata de leite em pó. Achou que a melhor opção era esconder a lata no casaco e sair correndo aos berros, simulando um ataque de pânico provocado pelo inseto mais asqueroso de todos os tempos: “Uma barata enorme! Socorro!”. Desandou a correr, correr, correr, correr... Distraiu a todos dentro do mercado. “Cadê?” Muitos procuravam a tal barata...Os comentários entre os homens não variavam muito—“Que bicha!”.
Chegou em casa esbaforido.Começou a rir freneticamente. Vitória. Sim, finalmente. Um artifício e tanto. Conseguiu enganar a todos; não com os livros que seriam publicados, e sim com uma atuação deslavada, improvisada. Talvez devesse abandonar o branco das páginas e adotar os palcos. Os palcos poderiam ser as próprias ruas da cidade, a la Brecht. Viu-se diante de uma carreira promissora. Abriu a lata. Enchia a mão do pó vaqueiro e levava à boca. Compulsivamente. Volta e meia lembrava-se da cena no supermercado e ria-se, expelindo pó para tudo quanto é canto do quarto (leia-se cubículo) onde vivia. Encheu o recinto com um suave perfume flatulento de origem láctea. Dormiu feliz. Nessa noite. Dormiu. Feliz.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

4 dimensions

"Someday, I told Jan, "when they demonstrate that the world has four dimensions instead of just three, a man will be able to go for a walk and just disappear. No burial, no tears, no illusion, no heaven or hell. People will be sitting around and they'll say, 'What happened to George?' And somebody will say, 'Well, I don't know. He said he was going out for a pack of cigarettes." (Bukowski, Factotum)

Foi-se em busca de um pacote de cigarros...Dobrou a esquina e nunca mais voltou. E se não voltou, talvez seja porque em seu caminho, coisas mirabolantes tenham acontecido. Ele pode ter sido seqüestrado por um grupo de ciganos: virou bailarino mambembe e hoje em dia ganha a vida com seus malabares. Ele pode ter se apaixonado e casado com uma afegã...Talvez hoje viva feliz em terras biladenses.

Foi-se em busca de uma garrafa de vinho. No caminho, pode ter caído no chão e quebrado o dente. Ao achar o dente quebrado na calçada, fez uma prece à Fada dos Dentes. No mês seguinte, um dentista remendou sua arcada dentária. Aprendiz de fada, fada é... Talvez leve a vida como fada dos dentes em shopping, contando história para crianças cujos pais precisam de um descanso...

Foi-se em busca de um pacote de Cheetos. Intoxicada por glutamato monossódico, teve um barato e não voltou mais da onda. Seguiu a vida adorando a Krishna e ensinando Yoga a velhinhos da terceira idade. Ironicamente,odeia a Elma Chips e acredita que a Coca-Cola põe chip líquido em seus refrigerantes...Estes chips roubam as almas das pessoas e as engarrafam, like a genie in a bottle...

Nunca mais os vi. Estão numa esquina qualquer, em algum lugar...lugar este que não faz parte da minha vida atual. Pode ser que um dia as coincidências da vida me levem a terras biladenses, ou que eu vire Mamãe Noel de shopping (tendo a Fada como assistente). Ou ainda, Krishna...Vai saber? Enquanto isso, toco meus bois daqui e continuo sentada à mesa do bar, sem me ausentar--por enquanto. Mandei trazer o cigarro, a garrafa de vinho e o pacote de Cheetos. Não fui buscar. E ainda vou pedir pastel, cerveja, coxinha de galinha, etc, etc, etc, etc, etc. E sejam bem-vindos aqueles que quiserem sentar à esta mesa e dividir algumas histórias...

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Carlton Menta

Resolvi me entregar ao companheiro em chamas; àquele que queima enquanto queimo. As cinzas se desfazem no ar, como pedaços de mim perdidos nas últimas explosões emotivas. Cumplicidade—-esta é a palavra que define nosso contato diário, marcado por diálogos curtos, porém expressivos. Entrelaçado aos meus dedos, se despede devagar, recuando lentamente. Ainda assim, deixa o gosto e o cheiro peculiares—-experiência indelével.