segunda-feira, 24 de maio de 2010

O berço

Acordou por volta das oito da manhã. A luz penetrou suas pálpebras gradualmente. Abriu os olhos e, desorientada, buscou reconhecer a cama nada familiar, que suportava seu corpo alquebrado. Ouvia um choro incessante ao fundo. Um choro de recém-nascido. Uén. Uén. Dali a alguns minutos, Doutor Jarbas adentra a sala com um bebê no colo. Uén. Uén.

As imagens embaralharam-se em sua cabeça vertiginosamente. Cerrou os olhos. Ao abri-los novamente, viu-se na sala de sua casa, e seu pai embalava o bebê de plástico no colo, dizendo: “Sua filha nasceu! Tome conta dela!”. A bebê de plástico, de cerca de quarenta-e-cinco centímetros, abria a boca mecanicamente – Uén! Uén! Havia tinta vermelha em sua barriga.

Ela largou o bebê em cima da bandeja cirúrgica, em estado de choque. Subitamente, tomada por um senso de responsabilidade maternal, se levantou e começou a gritar: “Ela precisa de um berço! Ela não pode ficar na bandeja.” A bandeja representava um grande descaso com aquele bebê de plástico inofensivo, pequeno, que berrava por atenção. Uén! Uén!

O berço foi providenciado. Tão logo o berço deu lugar à bandeja infame, surgiu uma questão onomástica. A mãe dizia: “Ela precisa de um nome. Ela não pode ficar sem nome.” Não pode ficar sem berço, nem nome. Uén...uén. “Melissa! O nome dela será Melissa!”. A mãe discordou: “Não gosto. Não me parece apropriado. Melissa é nome de sandália. Melissa é nome de meretriz ou travesti. Outro!”.

Pensou, pensou. Ficou sem resposta. Resolveu suspender a decisão. Resolveu aguardar mais alguns dias para ir ao cartório. Não registrou o nome nem o berço.

Um comentário:

Gabriel Holanda disse...

muito bom lenina... explorou bem essa sensação de vazio. isso é muito envolvente.