Eram cinco da tarde. Sábado. A fome apertava. As opções eram restritas. Vinha se questionando quanto às carreiras que tinha perseguido na vida. Na verdade, eram duas. Ambas se dispunham entrelinhas—ambas levavam ao fracasso a longo prazo. Na cabeça, na fantasiosa fábrica de ilusões imagéticas, elevava-se o indivíduo comum, julgando-se talentoso e dono de capacidades inusitadas. Resumidamente, alimentava sua vaidade ao consumir o branco. Consumia o branco com palavras, com histórias sobre um nada eloqüente. Nadava sem parar nos mares infindos do pensamento. Consumia o branco com o nariz, aspirando atitudes, visões, fome, dor, insegurança. Um nada eloqüente.
Em um certo momento, o branco mais óbvio e ordinário fez falta — o leite. Este, certamente era o branco mais barato e acessível. Porém, todos os seus recursos financeiros, bem como energia, já haviam sido esgotados pelos brancos da mente. O branco do estômago, o primeiro branco a satisfazer uma pobre alma, logo que nasce— esse branco estava em falta.
Quando a tinta sob o papel teimava em não lhe trazer retorno, nem podia mais suprir a fome com o pó, se viu diante de uma necessidade primitiva: comer. Um nada silencioso. Enquanto se come, não se fala. E se não se come, não se fala também.
Esvaziou os bolsos com voracidade e cerrou os punhos em desespero. Z-e-r-a-d-o. E a gastrite apertava. Contorcia-se e vociferava. Solução? Não tinha outra. Sim, deveria cometer o primeiro furto de sua vida.
Entrou em um supermercado e foi direto à sessão que interessava. Estava se perguntando como iria conseguir sair do local, despercebidamente, com uma lata de leite em pó. Achou que a melhor opção era esconder a lata no casaco e sair correndo aos berros, simulando um ataque de pânico provocado pelo inseto mais asqueroso de todos os tempos: “Uma barata enorme! Socorro!”. Desandou a correr, correr, correr, correr... Distraiu a todos dentro do mercado. “Cadê?” Muitos procuravam a tal barata...Os comentários entre os homens não variavam muito—“Que bicha!”.
Chegou em casa esbaforido.Começou a rir freneticamente. Vitória. Sim, finalmente. Um artifício e tanto. Conseguiu enganar a todos; não com os livros que seriam publicados, e sim com uma atuação deslavada, improvisada. Talvez devesse abandonar o branco das páginas e adotar os palcos. Os palcos poderiam ser as próprias ruas da cidade, a la Brecht. Viu-se diante de uma carreira promissora. Abriu a lata. Enchia a mão do pó vaqueiro e levava à boca. Compulsivamente. Volta e meia lembrava-se da cena no supermercado e ria-se, expelindo pó para tudo quanto é canto do quarto (leia-se cubículo) onde vivia. Encheu o recinto com um suave perfume flatulento de origem láctea. Dormiu feliz. Nessa noite. Dormiu. Feliz.
domingo, 28 de dezembro de 2008
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Um comentário:
ao fim do dia, o que importa mesmo é isso: dormir feliz. lacteamente ou não.
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